domingo, 6 de fevereiro de 2011

III

Acordou com dores que a impregnavam. A noite fizera-lhe mal. Ou ela, ou o peso do seu próprio corpo espalmavam-na contra o chão, num misto de inércia e atracção gravítica.
Lá fora calavam-se as últimas aves nocturnas e remexiam-se as primeiras da manhã, mas a fixação em si própria não lhe permitia desfrutar da envolvência.
A custo apoiou-se na cadeira, como uma criança que depois de um tombo se segura às pernas da mãe, e ergueu-se. Afinal a sua cabeça talvez tivesse algum tipo de conteúdo, uma vez que agora sentia-o; e devia assemelhar-se ao chumbo, pois eram quilos, toneladas, que teimavam em mantê-la na horizontal.
Pensamentos desconexos formavam-se na orla do seu consciente. Pediam que os soltasse, ou que, pelo menos, os tentasse balbuciar, mas quando o silêncio se instala é quase impossível quebrá-lo.

"La mer, la fin... le féminin..."

E o discurso transcorria primeiro em gotas, depois em torrentes que se adensavam e jorravam pela face, como que inanimada.
Subitamente, a sua atenção foi de novo direccionada para o exterior. Começara a chover e os beirais multiplicavam o coro de gotas (outras!), vindas algures do céu. Que afinidade sentiu, quase sob a forma de consolo... Curiosamente o que as distinguia das suas era tão somente a ausência de sal e sentiu-se menos só, pela amplificação que a chuva repentina lhe proporcionava.

Qual teria sido o percurso que a trouxera ali? Que consequências? Que acasos?... Que desígnios haviam congeminado?

Nada, nenhuns..

Um conjunto de escolhas que agora a cercavam e a ameaçavam estrangular, a qualquer momento.

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