segunda-feira, 31 de março de 2014

O Nada!

Buscar na inexistência
a calma que reconforta
o interior e a alma temida e julgada morta.

O nascer de um sentimento.
O crescer de sensações que transbordam persistentes,
curiosamente eloquentes.

É por dentro!
Sem dúvida que é por dentro que o ser se rói e se curva
obediente, impotente, mas tão duramente presente.
Apesar de tido como submisso,
apesar de não reclamar um lugar,
ali está! Firme, hirto,
qual cadáver enregelado!

São ondas quentes,
são chamas geladas,
ideias transparentes
em ventres cerebrais criadas.

Em cada dedo,
o carvão suave que se submete à escrita
e se arrasta, se desgasta numa cinzenta pasta
de linhas, folhas e gotas de pensamento.

A beleza é efémera!
O agrado não subsiste,
após a satisfação triste
do desejo já ausente.
Ah!… Quimera!

Acabou a consciência racional.
Cessou a dura luta na jornada vital.
Romperam os rios humanos de lava sanguínea
canalizando-se para uma só prioridade: Fluir!…

O fim e o início encontram-se.
Beijam-se fugazmente, sofregamente, de repente.
E depois que a história sucumbiu,
e antes que o tempo surja,
o ponto de perfeição ansiado:
- O escuro…
- O silêncio…
- O Nada!




25-08-04

VI

As palavras têm vícios. Encadeiam-se, emparelham-se, atraem-se, circunscrevem-se entre margens e ganham a estaticidade do hábito. Na verdade, são semelhantes às pessoas nas suas rotinas, embora um travo de tinta permanente não se compare à companhia de uma boa dose de outros líquidos dotados de propriedades mais efémeras.
Por vezes emaranham-se, rebolam-se num contorcer de pernas (ou penas) partidas, misturam-se e quase perdem a sua identidade, por girarem e gerarem novos contextos, ou sem textos, dependendo da prosódia ou da rima.
Também as há espartilhadas, apertadas, sufocadas entre vírgulas que se assemelham às quatro paredes de uma prisão, mas o discurso transcorre, correndo, e escorre como fluidos circulantes aprisionados num percurso infinito de tédio e vida.
No fundo, as palavras são baratas, não no seu sentido entomológico (embora esta constatação dependa da tinta que as compõe), que se lhes assemelham mais em significância do que em forma ou estilo. Circulam em palcos brancos, descrevendo retas que se unem em círculos, em espirais, quais borrões em catadupa e velocidade estonteante, resumindo-se à ausência de esforço ou a uma valente pisadela no alto do seu exosqueleto.
Podemos presumir, finalmente, que não têm vida, pois trazem somente prenúncios e silêncios, qual boca derradeira.
"A solidão abraça e abarca a todos..."
Presumir assim como presumimos e resumimos outras e mais verdades inválidas, tanto na sua formulação, como no seu âmago encadeia-nos num discurso tautológico: o amor está do coração. Pois, de facto, não só não se acumula nas coronárias contracurvas, nos meandros do miocárdio e pericárdio, no colesterol das arteriais autoestradas, como de veras não está, nem tão pouco vem nem vai de e para lado nenhum, simplesmente evapora-se.
Noutras circunstâncias, não menos frequentes, revestem-se (as palavras)  de movimento, de temperamento, de imprevisibilidade (acham elas) e falam de outros mundos, de sonhos e irrealidades, de projeções e esperanças (cegas pela opacidade das folhas que habitam). Nesses momentos, contorcem-se e exasperam conscientes da sua previsibilidade, que nunca lhes trará a visibilidade do acaso, da inconsequência, da eventualidade.
É... as palavras têm vícios e eu também.

terça-feira, 11 de março de 2014

A poesia


A poesia surge quando se faz silêncio
e uma luz ténue ilumina os contornos do que é importante,
no meio da penumbra...

À luz da vela



Deixa-me olhar-te enquanto dormes.
Por um instante ainda aqui estou
E a vela arde a sua derradeira luz,
Envolvendo-nos numa luz crepuscular.

O mar ecoa, distante,
Fazendo-se ouvir na quietude da noite
E a tua brisa, um sopro,
Ondula uma madeixa do meu cabelo.

Do teu olhar não há rasto,
Sob a beleza das tuas pestanas,
Vais na maré, já alta,
E eu estou em terra,
sinto grãos de areia
Que me toldam a visão.

A viagem está marcada,
A partida não tarda em chegar,
Então a luz apaga-se...
Não vês, não vejo,
Mas sei-nos aqui ancorados,
Enquanto os nossos sonhos andam à deriva,
Por uma noite ou uma eternidade.

Boa noite, meu amor,
Até amanhã...