segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

I

Cansada do corpo que carregava, fitou o néctar negro escondido entre as paredes vítreas que lhe adivinhavam o odor e o sabor mais cáustico do que doce.
De um só trago transferiu o acre do exterior para o seu interior, na esperança que o peso se esvaísse.
Haveriam de passar alguns momentos, calados por outros tragos subsequentes. Mas… esses já lhe fugiam, como tudo o resto, ou pelo menos assim esperava.
A fluidez, não só do que sorvia, mas de todo o invólucro que a circunscrevia, era o estado que ambicionava: tudo deslizando de um orifício para outro… em espiral… em queda livre, sem retorno…
Dos dedos, a dormência. Da cabeça, o vazio. Da língua… que língua! E no entanto estava em silêncio, tal como todas as suas vivências e memórias.
A sua pele é vermelha escarlate e grita em surdina. Forças internas, anteriores à sua existência, transcorrem sufocando a razão e gemem ordens e desordens, pulsares e latejares, desejos, desvios… “Going down, going down now, going down, down, down…”, ouve ao longe…

Então todo o cenário escurece.
Na penumbra os vultos não tangíveis são mais apetecíveis…

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